O pior no cenário de supply chain já passou. Embora alguns prestadores de serviços internacionais tentem espalhar o pânico entre importadores e exportadores, não vivemos o fim do mundo na área de comércio exterior, como se costuma alardear. Acredito que agora seja o momento ideal para as empresas reverem e planejarem seus processos logísticos, tendo em vista os novos acontecimentos do mercado.
Atento às movimentações de Comex no mundo inteiro, tenho a percepção de que algumas abordagens trazem uma visão distorcida do que realmente está acontecendo. Mesmo com o lockdown recente na cidade de Shanghai, a China conseguiu escoar a carga da região com certa eficiência por meio do Porto de Ningbo-Zhoushan.
Quando me perguntam se há gargalos, a minha resposta é sim, porém menores se comparados ao pessimismo e ao caos que muitos têm vislumbrado. Acredito que, em três semanas, o fluxo deve retornar à situação mais próxima da normalidade. Mas por que tão rapidamente? Porque a dinâmica da economia também está mudando. Como exemplo, podemos citar o mercado americano, cujo volume de importações nas últimas semanas reduziu 36%, se comparado ao mesmo período do ano passado. Os fretes também se encontram em queda livre na rota transpacífico, mesmo em alta temporada (Peak Season), de acordo com a consultoria Drewry, que aponta uma redução de 41% em relação ao mesmo período de 2021.
Outro ponto que precisa ser avaliado para discutir o cenário logístico atual: os inventários dos importadores estão com os níveis mais altos do ano, resultado da maior inflação americana dos últimos tempos. Sabemos que os Estados Unidos representam um mercado determinante para os grandes armadores, que estão otimistas e com grande apetite para gerar mais capacidade para o transporte de carga conteinerizada. Tanto que muitos investiram em novos navios, com previsão de entrega a partir de 2023.
E como fica o Brasil neste cenário? Pela primeira vez, estou mais otimista com o mercado local do que externo. No último trimestre, muitos importadores seguraram as compras porque tinham estocado vários produtos, mas chegou a hora de voltarem a investir. Para o consumidor, a boa notícia é que ele notará uma melhoria nos preços em função dos valores do dólar e do frete.
Em março, o Governo Federal reduziu a alíquota da AFRMM (Marinha Mercante), calculada sobre o valor do frete internacional, de 25% para 8%. Somada a esta medida, houve também a exclusão da taxa de capatazia (THC) da base do cálculo do Imposto de Importação. Ambas refletiram na redução dos preços cobrados pelos armadores. Isso significa que teremos um período aquecido para o Comex, porém dentro de uma relativa normalidade, com fretes em níveis mais aceitáveis, se compararmos com a alta registrada desde o 2º semestre de 2020.
Já na exportação, é provável que haja um pouco mais de dificuldade em termos de equipamentos e espaço com o aumento da demanda, mas as perspectivas, ainda assim, são positivas. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estima que o Brasil poderá ter um ganho adicional de US$ 7,8 bilhões ao ano nas exportações com a reconfiguração do comércio internacional e com a tendência de adoção do modelo “nearshore”.
Com uma cadeia de fornecedores mais próxima do comprador, que é a base do conceito “nearshore”, é possível reduzir a dependência de um único país, especialmente em situações de incerteza, como ocorreu com o lockdown chinês. Afinal, a política de Covid Zero continua, porém mais enfraquecida com a pressão da comunidade internacional para que a China não gere mais problemas para o supply chain, sob risco de retaliações.
Assim como o BID, a Organização Mundial do Comércio (OMC) também acredita que o País tem tudo para deixar de ser um nanico e recuperar parte do protagonismo na economia internacional se solucionar as amarras que impedem o aumento da competitividade nacional.
Com o conflito atual na Europa, a maior dependência de produtos básicos como combustíveis, minérios e alimentos podem dar ao Brasil um papel importante para tentar resolver desafios mundiais, ampliando suas exportações, especialmente para os Estados Unidos, América Latina e Caribe. Na reorganização do comércio internacional, o Brasil tem grande chance de assumir um papel de destaque se combinar alguns fatores: redução dos gargalos logísticos com investimento em infraestrutura – já melhorou, mas ainda há a muito por fazer; investimento em transformação digital e educação para formar mão de obra especializada, que possa competir em pé de igualdade com outros mercados e oferecer um atendimento ao cliente que reflita a maturidade do supply chain brasileiro.
(*) Rafael Dantas é diretor comercial da Asia Shipping, maior integradora logística da América Latina e a única da região presente no Ranking dos 50 maiores agentes de carga do mundo.