* Flavia Ferreira da Silva
No decorrer do último mês, duas notícias veiculadas no mundo da aviação, ambas atreladas à transformação digital, trouxeram entusiasmo ao setor.
A primeira notícia fala sobre a autorização concedida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) à LATAM Brasil, para incorporar em sua operação o “e-Signature” nas atividades técnicas relacionadas à frota do modelo Boeing 787-9. Trata-se de um sistema eletrônico de manutenção de aeronaves e componentes aeronáuticos.
Na rotina de uma empresa aérea, todo processo de inspeção ou manutenção, quando realizado em uma aeronave ou em seus componentes, deve ser devidamente registrado, exatamente para identificar os procedimentos desenvolvidos, a data, o profissional técnico que o realizou, entre outras informações.
Historicamente, estes registros eram — e, em muitos casos, ainda são — feitos em papel, incluindo a assinatura do técnico responsável pela atividade, em que pese o que já é regulamentado desde 2017 pela Anac, como o uso de sistemas informatizados para registro e guarda de informações, com a edição da Resolução no 458/2017, posteriormente modificada pela Resolução no 511 de 2019 — ano que também foi aprovada a Instrução Normativa no 43.9-004, que estabelece os procedimentos mínimos a serem observados no uso e fiscalização dos sistemas informatizados para registro e guarda de informações relativas à manutenção de aeronaves, em substituição aos registros em papel.
Com o novo sistema, tais registros passam a ser eletrônicos, podendo ser acessados por meio de iPads ou tablets pela equipe de mecânicos alocados em diferentes bases da empresa, em todo território nacional. Cada tarefa é, inclusive, assinada eletronicamente, e arquivada para consultas futuras.
Conforme ressaltou Mauro Jun, diretor de Qualidade da LATAM Brasil, “O projeto e-Signature é mais um importante avanço no uso de tecnologia para melhorar seus processos e ser mais eficiente, além de contribuir para facilitar o trabalho da autoridade aeronáutica. Estamos trabalhando fortemente para registrar as ações de manutenção de forma eletrônica e utilizar o e-Signature em 100% da nossa frota até agosto deste ano. Começamos pelo Boeing 787-9 porque a aeronave já atende aos requisitos para fazer os registros das atividades de forma automatizada”.
A segunda notícia positiva do setor foi o lançamento do primeiro serviço 100% digital do Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB), também da Anac. Desde o dia 11 de abril, a emissão da certidão de propriedade e ônus reais de aeronave civil brasileira pode ser feita diretamente pela página exclusiva do RAB Digital, mediante solicitação de qualquer pessoa interessada.
Segundo o diretor-presidente da Anac, Juliano Noman, esse é o primeiro de muitos avanços que estão sendo implementados na agência para desburocratizar e agilizar alguns dos serviços mais demandados pela sociedade. “Muito em breve, esperamos que a automatização de processos e o autosserviço sejam ampliados”, disse. A expectativa é que todos os serviços do RAB sejam inseridos no formato digital até o final deste ano.
Cumpre observar que as duas novidades recém-anunciadas são apenas exemplos que refletem o processo de transformação digital pelo qual o setor de aviação está passando. E esta transformação não é exclusiva do setor aéreo. Ao contrário, ela é generalizada, transversal aos mais diversos mercados e segmentos econômicos e reflete um ambiente jurídico favorável e uma sociedade madura para os avanços tecnológicos.
É verdade que ela atinge de forma mais acentuada alguns setores do que outros, até mesmo por conta da peculiaridade de cada um deles. Mas é inegável que ela recai sobre todos. A Era Digital não é o futuro, é o nosso presente.
Somos sabedores que esta nova Era não é “tão nova assim”, pois começou há algumas décadas. Mas não seria exagero dizer que ela tem sido acelerada e impulsionada, de forma significativa, pela tão marcante — e ainda presente –, pandemia da COVID-19. A humanidade precisou revisitar e reinventar suas relações diante das demandas que se apresentaram no decorrer de uma das maiores crises sanitárias do mundo. E, neste contexto, a tecnologia foi, e continua sendo, uma importante aliada.
A despeito de todas as dificuldades e obstáculos que existem, e que ainda precisam ser superados para que a transformação digital na aviação continue avançando, os benefícios proporcionados por ela são inúmeros. Dentre tantos, podemos citar: agilidade, lastreabilidade, eficiência, sustentabilidade, qualidade, ganhos de produtividade e economia, nos mais diversos aspectos.
Embora o setor aéreo seja considerado tradicional, no qual as novidades devem ser analisadas com cautela, sob a ótica da segurança operacional em primeiro lugar, acredita-se que iniciativas como a da LATAM Brasil e do RAB são contemporâneas às exigências do mundo atual, e devem ser sempre incentivadas.
A transformação digital, seja no setor aéreo ou em qualquer outro, não é apenas um processo que se desenvolve de forma autônoma e independente. Ao contrário disso, é fruto da mudança de conceitos e de mindset de algumas pessoas que, ao ter a devida compreensão do contexto no qual estão inseridas, conseguem se antecipar às necessidades futuras, dedicando energia e trabalho às novas tendências.
* Flavia Ferreira da Silva, Head de Aviation do Albuquerque Melo Advogados. Advogada, bacharel pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em Contratos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especializada em Business Law por Fairfield University