Cadastros feitos pela Secretaria de Turismo do Distrito Federal aumentaram 72% durante a crise sanitária. Parcerias de vendas impulsionaram atuação de profissionais, que se reinventaram para superar aperto causado pela covid-19
O Distrito Federal registrou aumento de 72% na quantidade de artesãos entre 2019 e 2021. Há três anos, havia 7.251 trabalhadores registrados no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab). No ano passado, o número chegou a 12.476. Os números são da Secretaria de Turismo do DF (Setur), responsável pela emissão do documento, que gera a carteira nacional ao trabalhador. A estimativa da pasta é de que a categoria movimente cerca de R$ 170 milhões anualmente na capital federal.
Um dos motivos para o crescimento do segmento está na pandemia da covid-19. Justamente por conta da crise econômica gerada pela emergência sanitária, as pessoas precisaram buscar alternativas de sustento. “Pela falta de opção de emprego, quem tinha alguma habilidade manual acabou enveredando para o artesanato para geração de renda”, explica Hebert Amorim, presidente da Federação das Associações de Artesãos do DF e Entorno (Faarte-DF).
O aumento, porém, não foi causado unicamente pela crise da covid-19. O crescimento dos trabalhadores registrados também foi fruto das ações de incentivo e promoção do artesanato que a categoria vem pleiteando junto a órgãos locais e federais, além de iniciativas da sociedade. É o caso da abertura da Loja do Artesanato Brasileiro na plataforma Mercado Livre, em junho de 2021, por iniciativa do Ministério da Economia, e das lojas Artesanato de Brasília, criadas em abril do mesmo ano, onde a Setur seleciona, por meio de chamamento público, 30 artesãos com registro no Sicab a cada 90 dias.
Movimento
Entre 2019 e 2021, por iniciativa da secretaria, os trabalhadores com carteira participaram de 100 feiras e exposições, inclusive em outras unidades da Federação. “Hoje temos dois caminhões que levam os trabalhos e toda a nossa estrutura para outras cidades. Os veículos pegam o material na casa do artesão e entregam no local da feira. Em dezembro, estivemos em dois grandes eventos, ao mesmo tempo — a Fenearte, maior feira de artesanato da América Latina, em Olinda (PE), e a 32ª Feira Nacional do Artesanato, em Belo Horizonte”, informa a Secretária de Turismo do DF, Vanessa Mendonça.
Joana Darque Lima, 49 anos, é artesã há cerca de duas décadas. A moradora de Samambaia Norte trabalha com o marido, Sávio, na produção de artes em PVC. Antes da pandemia da covid-19, Joana vendia cerca de 20 unidades por mês. Agora, o número chega a 50. “O pico foi no início (da pandemia), e depois deu uma diminuída, mas voltou de novo, até por conta das festas de fim de ano. Foi muito bom o período, as vendas cresceram bastante, conseguimos trocar de televisão e comprar um carro”, celebra a artesã, que chegou a ter peças enviadas para Suíça, Itália e França. “Já vendíamos pela internet, mas com a pandemia, as exposições diminuíram, então passamos a vender mais on-line. Mandamos para todo o Brasil, via Correios”, completa Joana.
Faturamento
Apesar do crescimento no número de artesãos, as vendas dos trabalhadores não seguiram o mesmo comportamento durante a crise da covid-19. “O faturamento da categoria caiu cerca de 50% durante a pandemia, especialmente para quem não tinha espaços físicos pré-estabelecidos. Para a grande maioria, foi — e ainda está sendo — um período bem complicado. As vendas, que diminuíram bastante, deram uma estabilizada há uns meses. Agora, com os novos decretos e o crescimento da pandemia novamente, estamos apreensivos”, observa Hebert Amorim. O presidente da Faarte-DF afirma que as vendas dos artesãos ainda não voltaram ao patamar anterior à emergência sanitária.
O artesão Tião Piauí, 51, viu a fonte de sustento secar com a pandemia. Por mais de um ano depois do início da crise, o morador do Guará conseguiu se manter às custas de doações. “Vivi de cesta básica, porque tudo estava parado”, lembra o artesão, que tem ponto fixo na Feira da Torre de TV há 16 anos, onde vende trabalhos feitos manualmente com fibras naturais, como palha de taboa, bambu e sisal. Apesar das vacas magras, Tião recuperou as vendas e hoje fatura mais do que antes da pandemia. Em 2019, vendia cerca de R$ 8 mil por mês; agora, a arrecadação chega a atingir R$ 15 mil. “Antes (da crise) já era bom, e hoje é melhor ainda”, comemora o artesão, que está construindo em casa uma organização não governamental para ensinar a crianças o ofício do artesanato.
Divulgação
Mesmo com o cenário pandêmico de crise, Hebert Amorim estima que apenas de 20% a 25% dos trabalhadores manuais do DF passaram a vender os trabalhos de maneira online. “A grande maioria dos artesãos está na faixa etária a partir de 50 anos, sem intimidade com a internet. Muitos, inclusive, têm resistência para aprender”, lamenta o presidente da Faarte-DF, defendendo a mudança de paradigma entre a categoria. “É um mercado que já vinha crescendo antes da pandemia e teve um boom. As vendas pela internet só estão aumentando e não tem mais volta, é o mercado mais promissor que temos”, frisa.
Apesar do incentivo, os empecilhos ao comércio online são muitos, como preço do frete e cadastro nos sistemas. “Dependendo do artesanato, o frete pode chegar a quatro vezes o preço do produto. Além disso, muitos não sabem tirar fotos boas dos produtos nem enviá-las para as plataformas”, completa Hebert.
Elza Vital, 52 anos, é defensora ferrenha da divulgação e das vendas por meios digitais. “Posto fotos dos meus produtos frequentemente. Se o artesão ficar quieto e esperar que venham nos procurar, não vai vender. A procura do cliente está ficando pra trás, a gente precisa se mostrar”, aconselha a artesã há 15 anos e produtora de bonecas de pano há 5. “Incentivo muito meus colegas a não focar só em feiras e exposições, mas também utilizar redes sociais e outras mídias, em geral”, continua a trabalhadora, que tem um canal para divulgação de vídeos.
Ela conta que a covid-19 abalou a categoria. “A pandemia dificultou o trabalho, e não tem sido fácil”, desabafa, destacando que o movimento com as redes sociais tem crescido. Antes da situação sanitária, ela vendia cerca de R$1,2 mil por mês; hoje, o faturamento mensal chega a R$ 1,8 mil. “A tendência é melhorar”, torce Elza, que foi convidada por uma revista, em novembro, para selecionar artesãos do DF para figurar entre as páginas da publicação. “As próximas artesãs já estão escolhidas. Serão 10 páginas na revista voltadas para o artesanato de Brasília”, anima-se.