Cias Aéreas

Desde 2020, número de processos contra companhias aéreas aumentou, em média, 60% ao ano

Por ano, o número de processos contra as companhias aéreas brasileiras aumentou, em média, 60% de 2020 a 2023. Desse montante, 10% das ações foram movidas por apenas 20 advogados ou escritórios, o que sugere a concentração de litígios. Os dados foram apresentados nesta quinta-feira (12) pela Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR) no evento Vozes do Setor Aéreo, realizado no Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBI), em Brasília (DF), e que contou com a participação de autoridades e especialistas. O estudo “Mapeamento sobre Litigância Predatória no Setor Aéreo do Brasil” reúne informações sobre a judicialização no setor e como esse mercado tem crescido no país.

Dados coletados pela plataforma Spotlaw a partir da análise de mais de 400 mil processos judiciais em todo o Brasil revelam a complexidade e o modus operandi dos principais agentes envolvidos na judicialização do setor aéreo brasileiro.

“Os dados que estamos apresentando são alarmantes e revelam um cenário preocupante para o setor aéreo brasileiro. Hoje 98,5% das ações contra companhias aéreas no mundo foram ajuizadas no Brasil. Esta não é uma consequência natural de problemas operacionais, mas sim o resultado de um esquema sofisticado que envolve diversos atores, desde advogados até empresas de tecnologia e influenciadores digitais. Precisamos de uma abordagem integrada para enfrentar essa questão, para garantir que o crescimento do setor aéreo brasileiro não seja comprometido por práticas predatórias e desproporcionais”, afirmou a presidente da ABEAR, Jurema Monteiro.

Por trás desse cenário, há indícios de uma estrutura que utiliza ferramentas de marketing digital para captar consumidores de forma irregular, além de envolver a compra de créditos judiciais e o comércio ilícito de vouchers de viagens.

Entidades debatem o tema
A presidente da ABEAR elencou quais são os pontos de enfrentamento para reduzir o alto número de processos contra o setor aéreo. São eles:

  • Melhorar a comunicação entre companhias e passageiros, destacando informações sobre direitos do passageiro e como proceder em caso de problemas
  • Fortalecer os canais de atendimento ao cliente para resolução rápida das reclamações
  • Informar os passageiros dos procedimentos corretos e seguros para reivindicar direitos, divulgando alternativas de mediação eficazes e menos onerosas, como o Consumidor.gov.br
  • Realizar acordos setoriais com Tribunais de Justiça e ações educativas com o Poder Judiciário
  • Harmonizar junto ao Poder Judiciário o entendimento sobre dano moral presumido
  • Alteração legislativa para fixar o entendimento de que o dano extrapatrimonial no transporte aéreo não é presumido
  • Alteração legislativa para prever o conceito da pretensão resistida, que consiste em incentivar soluções extrajudiciais
  • Revisão da Resolução 400 da ANAC para atualizar regulação 

Para o diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Ricardo Catanant, o excesso de judicialização é uma das barreiras para a entrada de novos competidores. “Esse é um problema que não afeta só o transporte aéreo nacional, mas também internacional. Empresas deixaram de operar aqui devido a esse alto custo com processos. Companhias estrangeiras já mapeiam esse tema e não querem se estabelecer aqui. Precisamos mudar essa imagem pois precisamos atrair essas empresas. Como podemos pacificar esse tema, unificar regras como acontece em alguns tratados internacionais? Essa é a pergunta que precisamos responder”, disse.

Na mesma linha, o presidente da Aeroportos do Brasil (ABR), Fabio Rogério Carvalho, reforçou o entendimento de que o alto número de litígios é um fator que impede a vinda de novas companhias aéreas para o Brasil. “A ABR luta muito pela chegada de novas empresas. Mas sempre recebemos, dos interessados em operar no país, o questionamento sobre os custos com judicialização. O operador que tem o avião voa em qualquer lugar. Então, por esses custos ele não quer operar no Brasil e vai para outro país. Temos um problema de litigância que não é só predatória, ela é autodestrutiva.”

O diretor de Relações Externas da Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA) no Brasil, Marcelo Pedroso, reforçou a importância de adotar medidas estruturantes para o enfrentamento do tema. “A onda contrária que vem ao nosso compromisso é muito grande. Precisamos superar esse momento para avançar na pauta.”

Segundo o diretor-executivo da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (PROTESTE), Henrique Lian, a busca por direitos está fortemente atrelada à cultura dos brasileiros. “À época do lançamento do Código de Defesa do Consumidor, foi criada a ideia de que os consumidores precisam batalhar pelos seus direitos. E isso tende a crescer cada vez mais. O que eu vejo como caminho? Investir em conciliação.”

Representante do Ministério Público Federal, a procuradora da República Anna Carolina Resende Garcia defendeu a construção de um protocolo de ações que podem ser implementadas pelas empresas aéreas antes de as demandas chegarem ao Judiciário. “Esse protocolo já foi usado com sucesso por outros setores. Melhorar o diálogo é também um ponto primordial”, ressaltou.

“Receber um evento dessa magnitude mostra que estamos no caminho certo, fomentando o debate para melhorar a agenda do setor aéreo”, disse o diretor-presidente do IBI, Mario Povia.

Como funciona o esquema de captação de clientes?
Segundo o “Mapeamento sobre Litigância Predatória no Setor Aéreo do Brasil”, perfis em mídias sociais evoluem para grandes empresas de tecnologia, financiadas por fundos de investimento internacionais. Esses perfis transformam-se em plataformas digitais que, por meio de publicidade agressiva, oferecem serviços a muitos passageiros, a maioria sem problemas com seus voos.

Após identificar esses passageiros, inicia-se um processo de funil de vendas. Os casos são separados e direcionados para colaboradores dessas empresas, que entram em contato com os passageiros para “adquirir” os direitos de ação contra a companhia aérea. Todo o processo é conduzido de forma extremamente eficiente, com a promessa de facilidade e lucro rápido.

Depois da aquisição dos direitos de ação, as plataformas repassam os dados para advogados parceiros, que entram com as ações judiciais em nome dos consumidores que cederam seus direitos. O objetivo dos advogados é fechar acordos rapidamente e da forma mais vantajosa possível. Esses acordos têm um elevado potencial financeiro e aumentam os lucros das plataformas.

Na operação, as plataformas comercializam os trechos de passagens obtidos por meio dos vouchers para agentes do setor de turismo, multiplicando rapidamente o investimento feito na compra dos direitos de ação.

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