Agências de viagem do DF questionam transparência e falta de prestação de contas.
Associação estima prejuízo de quase R$ 400 milhões
Não bastasse a crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, as agências de viagens ainda vêm sofrendo com uma proposta do governo federal que tinha o objetivo de trazer economia ao país, mas que tem resultado em falta de
transparência e má gestão dos cofres públicos. Lançado em setembro de 2020, o edital de credenciamento para compra direta de passagens aéreas de servidores públicos limitou a participação de empresas, contrariando a lei de licitações, e ainda colocou em dúvida a expectativa de economia que seria gerada com a solução.
Criado sob a alegação de redução de gastos, o projeto da Central de Compras visa fazer com que o Executivo Federal realize a emissão de tickets diretamente com as companhias aéreas, que, para isso, deveriam oferecer, ao menos, 15% de desconto.
A aquisição seria feita pelo próprio funcionário ou agente público por meio de uma plataforma virtual. No entanto, deixou de fora as agências de viagem, concentrando nas mãos de três grandes companhias a tarefa de comercializar os bilhetes e cuidar dos reembolsos em caso da não utilização.
Para a Associação Brasileira das Agências de Viagens do Distrito Federal (ABAV-DF), a centralização dessa atividade pelo Executivo vai na contramão da prática de eficiência e boa gestão defendida pela iniciativa privada. “Além de emitir o ticket, a agência de viagem vencedora das licitações responsáveis por atender os órgãos do governo sempre exerceram papel consultivo. Caso o servidor perdesse o voo e não utilizasse a passagem, por exemplo, ela ficaria responsável pelo reembolso. Agora, essa função fica sem controle, pois as próprias companhias aéreas não fazem a
gestão com o cliente para a melhor decisão em termos de alteração, remarcação ou cancelamento com reembolso”, explica Levi Barbosa, presidente da ABAV-DF.
Entre os meses de março e julho de 2019, o governo federal comprou 113.500 bilhetes aéreos para servidores. No entanto, de acordo com planilhas do Sistema de Concessão de Diárias e Passagens (SCDP), do Portal de Dados Abertos, 49,2 mil dessas passagens – cerca de 43,3% do total – continuam com os processos “em andamento”, ou seja, sem a devida prestação de contas. “Trata-se de uma economia que não pode ser comprovada, já que não há gestão ou controle dos gastos”, afirma Levi, questionando ainda o investimento público realizado na contratação da
plataforma de compras. “No fim, trocou o papel feito pelas agências para pagar por uma empresa de tecnologia.
Porém, as agências de viagens são contratadas por licitação e fiscalizadas, enquanto na compra direta a falta de gestão. Além dos 43,3% dos bilhetes não contabilizados, apenas 10% dos valores referentes aos cancelamentos totais foram reembolsados. Sem contar a emissão de 357 bilhetes para cada 100 viagens, pelas informações do Portal de Dados Abertos”, diz. Segundo ele, o edital ainda sofreu alteração para exclusão de regras que tratavam de ajustes
ou correções nas faturas antes do pagamento.
No caso das agências, elas são liberadas para disputar licitações somente após passarem pelo crivo de habilitação que inclui estar em dia com as obrigações trabalhista, previdenciária e fiscal. Enquanto os demais órgãos públicos do Brasil continuam com licitação e gestão via agências, apenas o Executivo Federal pretende contratar as companhias aéreas sem licitação.
Como justificativa para a plataforma, o Executivo diz que será possível privilegiar pequenas empresas, no entanto, a associação critica a centralização das decisões em três grandes companhias aéreas. “Inicialmente estava prevista a concessão de 15% de desconto sobre o valor dos bilhetes, porém, as aéreas reclamaram e esse valor caiu para apenas 3%. Nós que somos agências conseguimos negociações muito melhores”, diz Levi da ABAV-DF.
Segundo ele, ao concentrar esse tipo de oferta, as tarifas dos trechos mais utilizados tendem a subir, impactando, inclusive, o mercado doméstico. “A discussão não pode ser apenas tecnológica, sobre o uso de uma plataforma, mas deve envolver questões como transparência, eficiência e controle”, aponta o presidente.
As incoerências não param por aí. Segundo a ABAV-DF, a nova plataforma não cumpre a economia prometida, além de não disponibilizar funções que foram contratadas. “Entre os serviços que deveriam ser prestados pelas companhias aéreas credenciadas estão a reserva, a emissão, a remarcação, o cancelamento e o reembolso, mas isso não acontece e os dados públicos comprovam as perdas. O modelo foca na reserva e na emissão dos bilhetes, mas não possui atribuição de gestão daqueles bilhetes pelas companhias aéreas, ao passo que agências realizam a
gestão, inclusive, como fazem nas grandes corporações privadas”, afirma Levi.
Reserva de mercado
De acordo com cálculos da associação, desde o início da utilização da central de compras, o prejuízo gerado ao erário público pode ter chegado a R$ 400 milhões. “O novo edital, que surgiu após reuniões com as próprias companhias aéreas, conforme consta do processo administrativo, delimita mercado para aquelas e proíbe a participação de agências. Por quê? Isso fere a lei de licitações, que não autoriza esse tipo de prática”, argumenta.
O presidente da ABAV-DF ressalta ainda que a centralização de compras exige mudança de cultura organizacional. “Os servidores dos 600 órgãos do Poder Executivo deverão, no caso de compras de passagens aéreas, aprender sobre regras tarifárias, prestação de contas, emissão de passagens, gerando um desvio de função”, diz Levi. “O governo precisa se preocupar em oferecer saúde, educação,segurança, não emitir passagens e cuidar de reembolsos dos servidores”,
Edital suspenso
Em razão de tantas incoerências, a magistrada da 6ª Vara Federal do DF decidiu acatar, em abril deste ano, pedido de liminar em ação movida pela ABAV-DF e suspender a compra direta de passagens pelo governo federal. Ela questiona a queda de desconto proposto originalmente pelo Executivo sobre os tickets comercializados pelas companhias aéreas. “A autoridade gestora do Ministério da Economia responsável pela condução do processo de credenciamento de companhias aéreas agiu de forma arbitrária, ou ao menos descuidada, sob o ponto de vista da
economicidade, ao aceitar a queda substancial do desconto pela aquisição de passagens aéreas”.
“Se partirmos do princípio de que o percentual de 15% de desconto inicialmente estabelecido/imposto pelo Ministério da Economia era o mínimo para que fosse viabilizada economicamente a mudança do modelo de agenciamento para a contratação direta, segundo estudos de ordem técnico-econômica preliminares, o que justifica sua redução ao patamar de 3% num curto espaço de menos de 2 meses?”, questionou a magistrada.
A decisão, datada de 8 de abril, vale até que o Tribunal de Contas da União (TCU) emita um parecer sobre o novo modelo de compra de passagens aéreas